Dra. Rosana Pordeus

Dia Mundial da Saúde Mental – “É hora de priorizar a saúde mental no local de trabalho.”

Durante todo o ano, inúmeras campanhas são deflagradas pelo mundo destacando a importância da saúde mental nas nossas vidas. São datas criadas para desafiar a vergonha e o estigma profundamente enraizados nas mais diversas culturas que, historicamente, colocam terra sobre os problemas de saúde mental, obstruindo a conscientização sobre o tema.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a população da Terra atingiu 8 bilhões em 2022. Desses, quase um bilhão de pessoas lutam com condições de saúde mental passíveis de diagnóstico e, mesmo com dados tão relevantes, infelizmente o acesso a serviços especializados continua sendo um grande desafio para todas as nações, havendo localidades com até 70% dos indivíduos sem receber qualquer tratamento.

A escalada global de problemas de saúde mental já vinha chamando a atenção dos organismos internacionais mesmo antes da pandemia de COVID-19 que causou uma crise global na saúde mental, com um aumento em torno de 25% nos casos de ansiedade e depressão somente em 2020.

O Dia Mundial da Saúde Mental foi instituído em 1992 pela Federação Mundial para a Saúde Mental, enfatizando a saúde mental como um direto fundamental que deve ser acessível a todos, independente de localização, cultura, identidade etc. A cada ano, um tema tem destaque e o de 2024 é “Saúde Mental no Trabalho”.

A campanha deste ano não é apenas mais uma chamada para a conscientização sobre a importância da saúde mental como parte da estratégia dos programas de saúde ocupacional mas sim, um chamado urgente para todos, empregadores e colaboradores, agirem de forma decisiva nos cuidados com o bem-estar dentro das empresas. Com as rápidas mudanças no universo do trabalho, onde as demandas profissionais estão cada vez mais intensas e estressantes, as políticas de saúde mental no ambiente de trabalho vêm se tornando uma prioridade estratégica com impacto sobre a sustentabilidade organizacional.

O Investimento Ainda Vem Sendo Entendido Como Gasto

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) há 3,5 bilhões de trabalhadores no mundo, distribuídos entre empregos formais e informais, estando estes últimos em escala ascendente, passando de 1,7 bilhão em 2005 para 2,03 bilhões em 2024. No Brasil, os dados de 2023 revelaram que havia 100,7 milhões de pessoas ocupadas e desses, 37% são em empregos formais. Independente do tipo de emprego, grande parte dessa força de trabalho luta contra algum transtorno mental e comportamental pois os mesmos são uma das principais causas de absenteísmo no trabalho em todo o mundo, inclusive no Brasil. Aqui, em 2021, os transtornos mentais foram a terceira maior motivação para afastamento do trabalho no Brasil. O veemente aumento percebido pelas empresas foi colaborado pelos dados do Ministério da Previdência Social que divulgou em 2023 o número expressivo de 288.865 benefícios concedidos por incapacidade decorrente de transtornos mentais e comportamentais, confirmando um aumento em torno de 38% quando comparado com os dados anteriores. Globalmente, somente a depressão e ansiedade vêm custando às empresas em torno de US1 trilhão em perda de produtividade.

Cada vez mais os estudos mostram que os custos diretos, como o absenteísmo e a alta rotatividade, e os custos indiretos, como o presenteísmo e o desempenho social da empresa, são as causas mais relevantes de prejuízos financeiros e desvalorização da imagem organizacional. Em 2022, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) fizeram uma relevante chamada à ação, divulgando diretrizes e estratégias para lidar com a saúde mental no trabalho, diante do alastramento dos transtornos mentais nas faixas etárias produtivas e as consequências sobre o mundo corporativo visto que tais transtornos:

– são a principal causa de incapacidade;

– geram bilhões de dias de trabalho perdidos anualmente;

– apenas 35% dos países relataram ter programas nacionais para promover e prevenir a saúde mental relacionada ao trabalho e

– os governos gastam uma média de apenas 2% dos orçamentos de saúde em saúde mental.

Havia, até algum tempo atrás, a percepção de que a saúde mental era um assunto meramente pessoal e estava dissociado do contexto do trabalho. Talvez por não haver estudos relevantes até antes da pandemia de COVID-19 ou por ser mais prático (e menos oneroso) transferir a “culpa” dos agravos à saúde mental dos colaboradores a eles mesmos, apesar das empresas virem investindo em programas preventivos de saúde, a maioria deles não contemplava a saúde mental e emocional. Realmente foi após o estrondoso impacto no mundo do trabalho durante a pandemia, transferindo os locais de trabalho para as próprias residências dos colaboradores, comprometendo as rotinas pessoais e familiares; exigindo que as lideranças aprendessem, em tempo exíguo, a gerenciar suas equipes à distância; desafiando os Recursos Humanos a serem mais transformadores e menos burocráticos, que muitas empresas, após perdas humanas e financeiras, decidiram construir políticas de saúde mais abrangentes, focando na saúde mental e emocional no ambiente de trabalho.

Sabe-se que uma empresa sem políticas de saúde organizacional ou políticas equivocadas, aliadas a lideranças doentes, a relacionamentos tóxicos entre colaboradores e um local de trabalho sem ações de segurança ambientais, vai necessariamente contribuir para o desencadeamento ou agravamento dos quadros de ansiedade, depressão, estresse, transtornos relacionados ao uso de substâncias e burnout, dentre outros. Para ilustrar, o relatório People at Work 2023: A Global Workforce View revelou que uma média de 65% dos trabalhadores são influenciados negativamente no trabalho pelo estresse.

Mas por que, apesar de tantos estudos indicando que o trabalho pode ser fator contributivo, tanto para o adoecimento como para o tratamento adequado, muitas empresas ainda deixam a saúde mental em segundo plano?

Aqui compartilho a minha experiência em saúde mental no trabalho: a maioria das empresas vêm seguindo apenas na direção da contratação de sessões de psicoterapia para os colaboradores; ações de massoterapia periódicas; incentivo à prática esportiva, antes de fazer um diagnóstico prévio sobre a saúde integral dos seus trabalhadores que precisam embasar programas de saúde sob medida, especialmente sobre as causas daquela determinada população de trabalhadores. Talvez, muitas dessas empresas ainda não tenham compreendido que tratando a causa e não apenas correndo para apagar os incêndios, o retorno sobre o investimento é mais do que certo! E, quando abrimos a caixinha de Pandora das causas organizacionais que contribuem para o adoecimento mental dos trabalhadores encontramos, comumente, uma barreira global chamada estigma sobre a saúde mental nos locais de trabalho. Esse estigma contribui para o atraso do diagnóstico, do tratamento, aumento da morbidade, impacta sobre o equilíbrio das equipes e diminui a qualidade de vida daqueles que enfrentam problemas de saúde mental e dos que convivem diariamente, inclusive no ambiente de trabalho.

Como, então, lidar com o estigma no ambiente de trabalho?

Seja qual for a política de saúde que uma empresa desenvolva, ela precisa contemplar um programa anti-estigma. Programas nessa abordagem já foram validados por diversos estudos que revelaram a eficácia de intervenções para a redução do estigma em saúde mental sobre o bem-estar no local de trabalho, permitindo que os trabalhadores conversem abertamente sobre o tema e busquem ajuda sem medo do julgamento ou represálias. E para que que esses programas tenham sucesso, os maiores agentes promotores são os Recursos Humanos e a Liderança: o primeiro precisa defender políticas de não discriminação e assédio, garantir a acessibilidade ao suporte de saúde mental, promover uma linguagem inclusiva em todos os níveis organizacionais e fornecer educação em saúde mental e treinamento em primeiros socorros; o segundo tem papel fundamental incentivando conversas contínuas sobre saúde mental ao longo do ano, promovendo uma cultura de abertura e compreensão e conduzindo precocemente o trabalhador para o acompanhamento adequado.

Quebrando o Estigma, a Cultura Organizacional é Transformada Positivamente

Programas anti-estigma investem em educação e sensibilização: todos os níveis hierárquicos precisam ser orientados sobre a importância do tema e a responsabilidade de cada um no bem-estar coletivo. Treinamentos e campanhas de conscientização são ações práticas de promoção de mudanças de comportamento, ajudando a criar um ambiente inclusivo e onde se falar sobre saúde mental e emocional seja visto como algo natural e não como um sinal de fraqueza.

Chamada para a Ação: O Que Você Pode Fazer Agora?

Independente do seu papel na empresa, você também pode começar priorizando a sua saúde mental e emocional hoje mesmo ao invés de ficar esperando algum movimento organizacional. Procure conversar com quem confia, num local adequado, onde não haja interrupções e peça ajuda, sem medo do julgamento! Sendo você um colaborador e se sentindo bem ainda pode proporcionar ajuda aos seus colegas. Para isso: escolha um ambiente sem distrações para conversar, ouça e faça perguntas propositivas, não julgue e pergunte como você pode ajudar mais ainda. Caso seja um líder de pessoas, vá além dos cuidados acima e implemente práticas que demonstrem seu compromisso com o bem-estar da equipe. Caso seja um gestor de recursos humanos, crie e desenvolva políticas de saúde mental e emocional que contemplem: a capacitação em saúde mental para todos os trabalhadores, o treinamento em saúde mental e primeiros socorros emocionais para a liderança, workshops e sessões de treinamento para gerentes durante todo o ano, aperfeiçoamento das parcerias e empresas contratadas para cuidar da saúde dos trabalhadores, campanhas de conscientização inclusivas permanentes, dentre outras ações.

Para todos, o momento é de agir agora!

Colocar a saúde mental e emocional como prioridade estratégica deixará de ser, ao longo do tempo, um diferencial competitivo e passará a ser uma necessidade básica para a sobrevivência e prosperidade em um mundo onde o capital humano é o maior ativo! Ao vislumbramos o futuro do trabalho, começa a ficar claro que o sucesso organizacional não será medido apenas pela capacidade de inovação e geração de lucros, mas pela habilidade de uma empresa de promover bem-estar e criar ambientes onde as pessoas possam prosperar mental, emocional, profissional e financeiramente. É hora de transformar o local de trabalho em um espaço de crescimento e não de adoecimento – e isso pode começar a qualquer tempo. Por que não agora?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *